O Café Martinho
foi um dos locais frequentado por Rafael Bordalo Pinheiro, tal como descrevi
no meu último livro Rafael de Faca e Garfo.[1] Era
um local famoso onde se podiam encontrar várias figuras importantes da época, como
Almeida Garrett, Bulhão Pato, Júlio de Castilho, Camilo Castelo Branco, Júlio
César Machado, Guerra Junqueiro entre outros. Até Eça de Queirós, no livro A
Relíquia nos relatou a sua importância.
A mesma ideia
transmitiu também Rafael Bordalo Pinheiro, ao publicar em A Paródia de 5
Fevereiro de 1902 uma imagem de “Os três parlamentos” que eram, nem mais nem
menos que São Bento, São Carlos e o São Martinho, numa referência humorística à
influência das pessoas que se cruzavam nesses espaços.
Este café devia
o nome ao facto de ter sido fundado por Martinho Bartolomeu Rodrigues, em 1846.
Era considerado o mais importante café de Lisboa, situando-se no actual Largo
D. João da Câmara (antigo Largo Camões). Inicialmente tinha uma grande sala com
arcos, sendo as colunas revestidas com espelhos de Veneza.
Era conhecido
pelas torradinhas feitas com pão de Meleças, o chá verde com limão e a neve.
Bulhão Pato nas suas Memórias conta-nos que “as senhoras atravessavam
até à sala interior, para tomarem neve n’uma estufa!».
Esta neve era
proveniente de um depósito que o proprietário possuía, uma vez que era
contratador oficial de fornecimento de gelo, pelo menos desde 1829. Fornecia
também um outro local de comércio do mesmo proprietário, o Café da Arcada. Mais
tarde, mudaria o seu nome ficando conhecido pelo actual “Martinho da Arcada”, situado
numa esquina da Praça do Comércio.
Em 1905 entrou
em obras o que gerou controvérsia e críticas. Mas apesar disso as imagens de 1910 mostram
a sua beleza, ao gosto Art Nouveau.
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Arquivo fotográfico da CML: PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/LSM/000820 |
Esta peça, que tive a sorte de adquirir há poucos dias, será da fase anterior ao período das obras. Trata-se de uma fruteira de pé, em porcelana branca com o nome deste café na taça e na base, onde se pode ler “Martinho” em dourado.
A marca na base Limoges. WG & Co, indica-nos que foi feita em França por Wilhelm Guérin (1838-1912), natural de uma local perto de Limoges, que começou por alugar uma oficina, em 1836, em Limoges, onde produzia peças para exportação.
Por volta
de 1872, Guérin assumiu a direcção da oficina de porcelana de Lebron & Cie
e, em 1877, comprou uma outra fábrica de porcelana na Rue du Petit-Tour,
igualmente em Limoges. A fábrica desenvolveu-se e, em 1903, os dois filhos de
Guérin, William e André, entraram empresa, de onde provém o “Co” da marca. Em
1911 esta empresa fundiu-se com a fábrica Pouyat, e tornou-se na Guérin &
Cie. Marcas na base
Assim sendo, e para abreviar a história, podemos concluir que esta peça faria parte do serviço em utilização no Café Martinho, tendo sido adquirida antes das obras. Segundo um pormenor da fotografia existente no Arquivo fotográfico após a remodelação um serviço idêntico continuava a ser usado, na sala de jantar.
Pormenor da fotografia com um prato com cartela idêntica
Pode ver-se um prato sobre a mesa em porcelana branca como o desenho e a palavra Martinho, idêntica à da fruteira aqui mostrada. Felizmente
esta escapou e foi parar a boas mãos.