
Este raciocínio vem a propósito de um conjunto de ementas que comprei. São 12 menus de folha dupla dentro de um envelope que, no exterior, tem escrito “Visions d’ Orient”. A fechá-lo um selo circular com os dizeres «Champagne Charles Heidsieck Reims».

Cada um deles tem dois desenhos que ocupam toda a folha e que ilustram uma cena de um país. No verso existe um pequena descrição do país ou de um monumento importante. Quando se abre o desdobrável podemos ver o espaço destinado ao Menu, em branco. Aí seria escrita a ementa do dia. No fundo da página encontramos a referência ao “Champagne Charles Heidsieck”, a empresa que terá seguramente publicitado a sua bebida desta forma. Encontramos esta forma de publicidade com outras bebidas, mas o que nos surpreende nesta, é a qualidade dos desenhos, que não se encontram assinados.

Comecei por procurar uma relação com o Champagne e descobri uma das principais casas desta bebida, que embora com taxas de exportação inferiores a outras, que reconhecemos imediatamente, é considerada pelos analistas de champagne como uma das melhores.
A casa Charles Heidsieck foi fundada em 1851, por Charles Camille Heidsieck (1820-1871). Durante o século XIX visitou os Estados Unidos para aí introduzir o seu champagne que se tornou conhecido por "Champagne Charlie". Por suspeita de ser espião foi preso durante a guerra civil americana.

Em 1836, depois do seu regresso a França, foi abordado pelo irmão do seu agente nos Estados Unidos que, descontente com a actuação deste, resolveu compensá-lo com a oferta de terrenos no Colorado. Localizados no que viria a ser a cidade de Denver, possibilitaram ao seu novo possuidor uma venda rentável que lhe permitiu relançar a sua casa de Champagne, entre as primeiras de França.
A sua vida foi escrita em livro que, em 1989, passaria para o cinema. O filme, com o nome de «Champagne Charlie», foi dirigido por Allan Eastmane e tem como actor principal Hugh Grant.

Até agora a história era interessante mas o mistério não estava ainda completamente elucidado. Era preciso descobrir o que eram as “Visions d’Orient”. A imagem de um paquete na capa viria a conformar que se tratava de cruzeiros pelo Oriente, que ainda hoje se realizam com o mesmo nome. Os monumentos e países referidos eram uma menção aos locais eventualmente visitados, embora não possamos confirmar que a cada menu correspondesse exactamente o local visitado.

Este gosto pelo Oriente integrava-se no gosto pelas viagens e pelo seu relato, prática que se expandiu no século XIX. A literatura de viagens, com a publicação de obras como a “Voyage en Orient” por Gérárd de Nerval (1808–55), um dos primeiros simbolistas da literatura francesa, ou as obras de Gustave Flaubert, como «Carnets de voyage» e «Correspondence» escritos durante a sua viagem ao Oriente em 1849-50, abriram caminho ao Orientalismo.
O orientalismo manifestou-se também na pintura como foi o caso de Eugène Delacroix, com o seu quadro «Mulheres de Algéria» pintado em 1834, ou «No banho turco» de J. A. D. Ingres, de 1862.
A arquitectura também não escapou a este movimento e temos em Portugal alguns exemplos de arquitectura neo-árabe como o salão da Associação Comercial do Porto, de 1862, ou a Casa Ribeiro da Cunha, no Príncipe Real em Lisboa, construída entre 1871 e 79 ou a Praça de Touros do Campo Pequeno, para apenas mencionar os mais conhecidos.
