terça-feira, 2 de setembro de 2025

Uma caixa com surpresa

 

A caixa, em si, apresenta uma beleza sóbria. Com embutidos de madrepérola e pequenas argolas de suporte, foi forrada com um veludo arroxeado.  Não sei a que se destinava, mas o facto de ter fechadura faz supor poder ter contido objectos de valor, material ou sentimental.

Há dias, ao pegar na caixa, uma placa existente na tampa superior caiu. Lá dentro, colado à madeira encontrava-se uma fotografia de uma figura feminina, tapada por uma folha de papel vegetal muito amarelecida. A caixa foi, entretanto, restaurada e a folha substituída.

Quando a retirei pude ler uma mensagem, em francês, escrita para mim. Passo a explicar. Esta dizia: “Aquele ou aquela que um dia possa descobrir esta fotografia, saiba que estes traços cheios de charme são os de uma grande, admirável e bela trágica francesa Madame Vera Sergine, nascida 15 de Abril de 1884 em Paris. O seu verdadeiro nome é “Marie Roche” e é casada com “Pierre Renoir”, actor, filho do grande pintor Renoir”.  

E do lado esquerdo a autora desta informação, com grande probabilidade a Condessa Josselyn Costa de Beauregard (1897-1972), acrescentava: “Ela é boa, inteligente, grande artista e bela. Escrito em 1924”. 

O nome verdadeiro da artista Vera Sergine (1884 – 1946), era Marie Marguerite Aimée Roche. Foi casada com um outro actor de teatro e de cinema francês, famoso na época, Pierre Renoir (1885 -1952) foi um actor. Este, tal como vimos, era filho do pintor impressionista Pierre-Auguste Renoir e irmão mais velho do director de cinema Jean Renoir. Eu que admiro este cineasta e tenho como um dos meus preferidos o seu filme Boudou sauvé des eaux, de 1932, fiquei feliz. Vera Sergine foi também mãe do cineasta Claude Renoir, mostrando que na família corria sangue artístico.

A década de 1920 foi também de grande moda dos cocktails e o livro  “Cocktails de Paris”, publicado em 1929, inclui várias receitas com nomes de artistas do teatro e do cinema mudo francês de então. Entre esses cocktails surgia um dedicado a Vera Sergine. Chamado Boulouris era uma variação da tradicional gemada com Vinho do Porto, que incluía também conhaque e Cordial-Médoc, tornado-o mais alcoólico. O nome remetia para a praia de Boulouris, em Saint-Raphaël, no sudeste de França), onde Véra e o seu marido, Pierre, possuíam uma casa, a Villa Argentina.

(E finalmente lá consegui eu puxar a brasa para a minha sardinha, isto é, para o Garfadas).

 

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Ementa do almoço oferecido por Émile Loubet

 

Quando publiquei o livro Mesa Real, em 2000, incluí uma receita de 29 de Outubro de 1905, respeitante a um almoço oferecido pelo Presidente da República francesa ao Rei D. Carlos e à rainha D. Amélia.

Nessa altura consegui que a imagem me fosse facilitada por Remi Flachard, livreiro em Paris que a possuía. Tratava-se do então único livreiro específico na área da gastronomia. Possuía os melhores livros da especialidade, ementas, cartazes e muitas outras informações relativas a culinária. Os seus catálogos eram fantásticos e informativos. 

Dada a qualidade das suas obras, e os preços exorbitantes, eu raramente conseguia comprar alguma coisa, mas sempre que ia a Paris ia visitá-lo. Mesmo assim ainda fiz algumas boas compras. Agora, ao procurara informações sobre ele percebi que a loja já tinha fechado e que Remi Flachard faleceu. É natural que não se encontre na net mais dados porque ele era avesso à tecnologia. Já na época não aceitava cartões. Quando se comprava um livro tinha que se ir levantar o dinheiro num terminal bancário para pagar.

Esta memória tem a ver com o facto de esta semana, num lote de interessantes ementas, vir incluída uma, cuja capa me chamou logo à atenção. Tratava-se da ementa do almoço de despedida oferecido a bordo do couraçado Léon Gambetta, aos então reis de Portugal, como agradecimento pela recepção em Lisboa, entre 27 e 29 de Outubro de 1905.

Aqui deixo uma reprodução da ementa e imagens relativas ao momento desta visita, então rara, de um Presidente da República a um Rei. Com este achado, regresso a 25 anos atrás, feliz por ser agora possuidora desta recordação.

quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Os dez mandamentos da mesa saudável

 

Estes 10 mandamentos foram levados a sério por quem os seguia, de tal modo que chegou a encaixilhá-los. O quadro esteve provavelmente numa sala de jantar para lembrar os preceitos sobre alimentação que deviam ser seguidos. A avaliar pelo caixilho, devem ter pelo menos 50 anos.

Depois destes saíram muitos outros, designados Mandamentos para a Alimentação saudável; para a Vida saudável, etc. Todos eles assimilando as correntes da época, adaptaram-se a novas tendências. Na realidade, aquilo que é importante é a diversidade alimentar e as noções de bom senso. Seguindo este caminho, sem correr atrás das novas modas, mas tirando delas o mais sensato, estamos sempre bem, mesmo sem regras ou mandamentos.

 

sábado, 19 de julho de 2025

Objecto mistério Nº 58. Resposta: Bordaloue

 

Como uma das pessoas comentou no Facebook: “se a resposta fosse molheira era muito fácil”. Na realidade este tipo de objecto assemelha-se às molheiras pela sua decoração floral, mas a sua forma é ligeiramente diferente, isto é, não tem bico e o corpo é um pouco mais largo. O seu fim também era diferente. Designado bordaloue era um mictório feminino.

Surgiu no início do século XVIII, quando as casas de banho não existiam, e o seu uso manteve-se durante o século XIX. À medida que começaram a ser construídos sanitários nas casas e outros edifícios, o uso destes objectos reduziu drasticamente e hoje são exemplares raros.

Embora sem provas, diz-se que o seu nome se deve ao do jesuíta francês Louis Bourdaloue (1632-1704), conhecido pelos seus sermões cativantes de mais de uma hora de duração, que as senhoras ouviam com enlevo.

Na época, as senhoras usavam saias longas e largas, sem calças por baixo. Isso permitia-lhes usar discretamente o vaso trazido por suas criadas para se aliviarem em eventos públicos ou em viagens.

O facto de serem pequenos e neste caso é extraordinariamente leve, facilitava seu transporte e o acondicionamento em viagens. Mas eram também usados em banquetes demorados, onde as damas se escondiam atrás das cortinas quando precisavam de urinar.

Quanto aos homens, nesses banquetes, e a avaliar por gravuras inglesas, tinham bacios escondidos nos armários da sala de jantar.

Gravura inglesa de 1814
Após a refeição as senhoras recolhiam a uma sala para tomar o café e licores, enquanto os elementos masculinos ficavam na sala de jantar para conversarem e beberem as bebidas alcoólicas próprias para homens. O resultado era evidente.

 

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terça-feira, 15 de julho de 2025

Objecto Mistério Nº 58. Pergunta.

 

O objecto que hoje apresentamos em cerâmica, muito leve, apresenta uma boca oval, com as dimensões de 15 x 10 com, excluindo a asa ou pega.  

Como se designa e qual a sua utilidade?


quarta-feira, 2 de julho de 2025

Separadores de pratos

Confesso que nunca tinha visto separadores de pratos feitos especialmente para esse fim. Em tecido branco, de piqué de um lado e feltrado do outro, ou com belos tecidos coloridos, todos se apresentam orlados. Mais frequentemente com fita de seda, por vezes com gorgorão, ou mesmo com franja.

Outros modelos são duplos, abertos num dos lados, e com fitas que permitem acondicionar no seu interior um prato especial que se quer proteger. Embora a maioria sejam circulares, existem também ovais para travessas.

Hoje em dia as pessoas colocam, de forma prática, folhas de rolos de papel de cozinha para separar os pratos que se desejam empilhar. Funciona, mas não corresponde ao mesmo efeito protector. Podem também encontrar-se, em raras lojas, protectores em feltro, mas não têm a beleza destes exemplares.

Datados alguns do final do século XIX e outros do início do século XX, são espelho de um requinte e cuidado de protecção de pratos de qualidade.

Para mim, foi uma descoberta e um encantamento pelas coisas simples, cuidadas. Sempre a aprender!



 

segunda-feira, 23 de junho de 2025

Congresso da Associação Hispânica dos Historiadores de Papel

 

Vai ter lugar em Lisboa, na Biblioteca Nacional, nos dias 26, 27 e 28 de Junho, o referido congresso internacional. Irei apresentar o tema “Marcas de água em manuscritos de culinária”.

É um tema importante que muito esclarece sobre as obras conhecidas e que ajuda a adicionar muitas mais informações do que o mero estudo das receitas. O seu estudo evita muitos dos disparates que às vezes se dizem por aí.

Nas minhas publicações sobre livros de receitas antigos procurei sempre completar o estudo com estas informações.

O resto do programa é muito interessante e pode ser consultado em:   https://ahhp.es/xv-congreso-internacional-ahhp-programa-definitvo/