quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Votos de Feliz Natal

 Os meus votos de um Feliz Natal 2020 em segurança, isto é, nuclear. (E está bom de ver que me refiro ao núcleo familiar)



domingo, 20 de dezembro de 2020

Uma irritação transformada em tigelada que mais parece uma queijada

 

Não quero fazer concorrência ao programa “Irritações” onde os intervenientes ao fim de vários programas parecem ter de inventar factos que os irritam. Esta é uma irritação verdadeira que advém da compra de dois queijos num mercado biológico. Muito bonitos e apelativos, mas caríssimos, porque estamos a pagar, além do produto, crenças e convicções. Como ficaria espantado um verdadeiro queijeiro, daqueles lá da Serra da Estrela, se visse estes preços.

Mas tudo bem. Quando as coisas são de qualidade, tendemos a secundarizar os preços. O pior é que um aspecto importante nos queijos é o seu sabor e esse não estava lá. Sabiam os dois ao mesmo, isto é, a nada.

O queijo de cabra, que cheirava intensamente a cabra, não sabia a cabra. Concluí que devia ter leite de vaca misturado, mas estranhamente o sabor não acompanhava o cheiro.

Decidi fazer uma tigelada de requeijão com o queijo, uma estreia absoluta. A tigelada da Beira Baixa, sobre a qual já falei, (Ver: :https://garfadasonline.blogspot.com/2015/06/tigelada-da-beira-baixa.html), não leva habitualmente requeijão. Em minha casa, na Covilhã, era sempre a de requeijão que comíamos. Estranhamente nunca falei nela, o que prometo fazer proximamente.

Hoje é só para lhes mostrar a minha experiência, feita com o queijo de cabra biológico a fazer o papel do requeijão. Não dou a receita porque a fiz a olho, em dose menor para me caber num pequeno forno e evitar ligar o forno grande. Fá-lo-ei quando voltar a este tema.

A tigelada ficou boa, embora não o suficiente para de futuro tomar o lugar do requeijão. Cheirava a queijo e até sabia a queijo, talvez detectado pelo gosto inusitado naquela receita. Foi uma boa solução, mas a não repetir.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

O Bolo-rei no Porto

Hoje os locais comerciais estão ávidos de história. Ter um passado valoriza o local e o produto. Nalguns países é assim há muitos anos, mas os portugueses forma-se esquecendo disso e paulatinamente foram destruindo sem qualquer apego as antigas lojas, cafés, drogarias, livrarias, etc. Foram registadas já tardiamente as “lojas históricas”, mas nem isso as salvou da destruição. Em seu lugar surgiram lojas turísticas algumas semelhando um passado que não tinham. 

Esta introdução vem a propósito do bolo-rei e da sua introdução em Portugal hoje atribuída à Confeitaria Nacional, por Baltazar Roiz Castanheiro, na década de 1870. Esta antiga confeitaria tem sabido manter-se e apresenta uma história que hoje dificilmente pode ser rebatida e que lhes permite com orgulho vender um produto com passado.

Mas as origens de doces ou de pratos que os restaurantes e pastelarias hoje tomam como suas com o tempo pode revelar-se diferente. Em História, como na Medicina, o que hoje é verdade amanhã pode não o ser. É isso que ambos os ramos do conhecimento têm de entusiamante.

Pastelaria Lisbonense. Foto Guedes AHCMP

Passemos então ao Porto onde a primeira introdução do bolo-rei terá tido lugar em 1890 na Confeitaria Cascais, na Rua de S. António, de acordo com os autores do blogue Porto de Antanho.

Num papel publicitário de 1897, o proprietário da Confeitaria e Pastelaria Lisbonense, J. Augusto Ferraz de Menezes, que tinha loja na Rua Formosa 404, no Porto, onde também existia uma refinação de açúcar e onde eram feitas conservas de frutas, contava a história do bolo-rei em forma de lenda.

A lenda explicava a história do bolo que fora encontrado por uma fada nos jardins do seu palácio. Tocado pela sua varinha mágica revelou-se ser o bolo-rei da Confeitaria Lisbonense. A fada, proclamada rainha do bolo-rei pela sua comitiva, fez saber aos seus vassalos que incorriam num crime de lesa-majestade se deixassem de comprar o bolo-rei da Confeitaria Lisbonense nos dias 3, 4, 5 e 6 do mês de Janeiro de 1897.

Embora não saibamos as datas do início da produção do bolo-rei ficamos assim esclarecidos da sua origem, e bem mais descansados. A Confeitaria parece datar de 1882, mas a presença de duas medalhas ganhas em Exposições no Palácio de Cristal, no Porto, a da Exposição Hortícola que teve lugar em 1877 e a Industria Portuguesa em 1897, situam-na, provavelmente como conservaria ou  refinaria, pelo menos na década de 1870.

Pormenor das medalhas ganhas em Exposições
Em 1897, J. Augusto Ferraz de Menezes, era mencionado no Jornal dos Cegos, referindo uma notícia publicada na Voz Pública, e quem este teria oferecido ao grupo de cegos, que visitaram os seus trabalhos na Exposição patente no Palácio de Cristal, «uma grande quantidade de doces».

Voz Pública, 23 de Dezembro de 1900
O que percebemos é que este bolo era no final do século XIX vendido apenas no início de Janeiro, destinando-se a ser consumido no dia de Reis. Num anúncio publicado em 23 de Dezembro de 1900 no jornal "Voz Pública" a Confeitaria Lisbonense disponibilizava já o bolo-rei a partir dessa data e até ao dia de Reis, fazendo crer que então o hábito se estendia já ao Natal.

Curiosamente na mesma publicidade era dito que já fabricavam aquele bolo há vários anos e que tinham sido os primeiros a produzi-lo no Porto.

Confusos? O tempo esclarecerá as contradições.

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

As festas do Divino Espírito Santo na Picanceira

Segundo alguns teria sido a Rainha Santa Isabel, a instituidora da primeira festa do “Império do Espírito Santo”, realizada no Convento de Franciscanos de Alenquer, cerca de 1323. Foi associada a estes ideais que se instituíram algumas Confrarias dedicadas ao sustento dos pobres, à criação de hospitais e à organização de bodos.

As festividades do Espírito Santo têm lugar no Pentecostes e correspondem a uma sobrevivência de antigos rituais pagãos, como as Saturnalia romanas. Isso explica a distribuição da carne de reses sacrificiais e do pão bento. Com estas festividades invocava-se a protecção divina contra certas calamidades naturais, como a peste, no Continente ou, mais tarde, os sismos nos Açores.

Espírito Santo. Pentecostes. Francico Henriques. MNAA

Em Portugal continental poucas festas do Divino Espirito Santo sobreviveram. Mantém-se ainda as do Penedo (Colares), as de Cardigas (Mação), as de Eiras (Coimbra) e a mais conhecida, em Tomar. Esta última designada mais popularmente por Festa dos Tabuleiros, pela presença de inúmeras jovens com tabuleiros de pão à cabeça, decorados com flores.

Contudo se falarmos em Festas do Divino Espírito Santo vem-nos imediatamente à cabeça as que têm lugar nos Açores. A sua importância é tão grande que todos os anos os emigrantes açorianos regressam à sua terra para nelas participarem.

Pormenor da fotografia. 1928

Por isso me espantou uma fotografia com a representação de uma festa do Espírito Santo que teve lugar em 1928 na Picanceira (S. Isidoro - Mafra).

Fotografei a Picanceira há muitos anos quando ainda esperava integrar as cozinhas populares no meu livro Cozinhas. Espaço e Arquitectura. Ficou limitado às casas senhoriais mas as imagens desse bairro operário com 23 moradias unifamiliares, em fila, nunca se me apagou da cabeça. Infelizmente não sei onde param as fotografias que agora seriam de grande utilidade.

Fotografia de Miguel Machado publicada no facebook de O Saloio

Designado Bairro dos Ilhéus, faz parte da Quinta dos Machados. Esta quinta foi fundada em 1830 por Domingos Dias Machado, proveniente dos Açores, grande agricultor e que foi Presidente da Câmara de Mafra. Anexo a ele foi construído o  bairro dos Ilhéus, no século XIX, adaptando um estilo insular, baseado na arquitetura da ilha de São Miguel, e adaptando alguns aspectos de arquitectura vernacular da região. Domingos Machado necessitava de trabalhadores para a sua propriedade agrícola e foi buscar ao Açores famílias de conterrâneos seus para trabalharem nas suas terras dando-lhes alojamento.

As casas, de pequenas dimensões, com dois pisos, impressionam sobretudo pelo aspecto do conjunto e é sobretudo a imagem da zona posterior com os bojos dos fornos individuais que mais chama à atenção.

Império do Espirito Santo nos Açores

Explica-se assim a festa do Divino Espírito Santo num local tão inusitado. Eram os açorianos a festejar uma data tão importante para eles. Não é possível dizer se a festa teve lugar na Quinta ou na rua principal do bairro, para onde davam as casas, e onde se situavam as portas de entrada, ao nível do piso superior.

Coroa do Espirito Santo que encima os tabuleiros de Tomar. Trabalho de Otilia Marques de Tomar.

Nota-se a presença do padre, do militar e de pessoas importantes, todas vestidas a rigor para a ocasião. Um número elevado de crianças está também presente na fotografia. Sobre a mesa improvisada, coberta com toalhas brancas está presente o bodo que seria consumido após as cerimónias.

Passou quase um século e tudo mudou. Felizmente ficou-nos esta memória.

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Uma factura inventário

Uma factura, mesmo que apresente poucos elementos, é quase sempre informativa. Contudo existem algumas que, pela riqueza de pormenores, nos indicam a existência de uma loja que desconhecíamos, os produtos que vendia, os preços na época, etc.

Para além do aspecto gráfico, muito cuidado nalguns casos, em especial no século XIX, podem também contar-nos uma história.

Quando fiz a investigação para o livro «Mesa Real», publicado pela primeira vez em 2000, apresentei os cabeçalhos de três facturas que encontrei na Torre do Tombo e que mostravam a evolução ao longo dos anos de uma oficina de latoaria, para fábrica de latas e depósito de conservas alimentares.

Esta factura de uma serralharia que agora me chegou às mãos, para além da sua beleza gráfica, é um verdadeiro mostruário de peças em ferro feitas pela Fábrica Lisbonense de Móveis de Ferro. Propriedade de A. P. Santos Chaves, estava situada na Rua da Palma, cuja fachada do edifício com o funcionamento no seu interior é visível na parte superior da factura. Tinha dois depósitos, um na rua Augusta e outro na Rua dos Fanqueiros, portanto bastante centrais, que deviam funcionar como locais de venda.

O mais interessante contudo diz respeito ao elencar de produtos vendidos que se imagina iriam ocupar o seu lugar numa nova casa, em 1874. Supomos uma casa para uma família com algum poder económico, uma vez que as aquisições foram feitas todas de uma vez e não progressivamente.

Lá encontramos os seguintes artigos: 3 lavatórios, com suportes para espelho e baldes respectivos; 1 bacia e um jarro; 1 bidé; 2 leitos à inglesa; 1 escarrador; 2 alguidares de zinco; 3 bacias uma delas para banho; 1 fogão de quatro bocas circular; 1 cabide para chapéus e até uma cama para bonecas.

É caso para dizer: há dias de sorte!.

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Objecto Mistério Nº 63. Resposta: Garrafa de licor.

 Deve dizer que apesar de ter mais de um milhar de garrafas de licor, adquiridas quando fiz o livro Licores de Portugal 1880-1980, e que foram crescendo posteriormente, este modelo me era completamente desconhecido.

Se existiu um industrial imaginativo e conhecedor, Leopoldo Wagner (c. 1858-1923), foi certamente um deles. A sua variedade de bebidas licorosas e os correspondentes modelos de garrafas criados por si ou adaptados para as mesmas, foi enorme[1].

Fundador da Fábrica Âncora apresentava um catálogo de bebidas a que hoje em dia nenhuma empresa se pode comparar. Para além da beleza das garrafas as bebidas eram de qualidade. Durante anos, e já após do fecho da fábrica, ainda eu procurava o Xarope de Groselha que era, de longe, o melhor em Portugal.

Leopoldo Wagner registava os modelos que criava, o que nos permite datá-los, mas não consegui encontrar este pinto, apesar de ter na base escrito MR (marca registada) que se aplica à marca da fábrica e não ao modelo.

Dito isto, trata-se portanto de uma garrafa para licor, provavelmente de “Licor de Ovo”. A fábrica onde foi feita a garrafa não está identificada mas inclino-me para poder ter sido fabricada na Fábrica Aleluia, em Aveiro.

PS. Se alguém tiver informação adicional agradeço que a partilhe. Obrigada.

--------------------------------------

[1] Ana Marques Pereira. Licores de Portugal (1880-1980). Ed. da autora. 2013.

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Objecto Mistério Nº 63

Este belo pinto a sair de um ovo não é tão facilmente identificável como pode parecer inicialmente. Possivelmente será preciso já se ter visto para conhecer a sua utilidade mas, como isto é um jogo, podem sempre tentar adivinhar. 
Tem de altura 17 cm, portanto, é um pinto grandinho.
Para que servia?

domingo, 18 de outubro de 2020

Uma toalha (quase) com assinatura

Uma das maiores dificuldades no que respeita os trabalhos de rendas e bordados é atribuir-lhes uma autoria. Mesmo as rendeiras e bordadeiras de fama nada lhes garante o reconhecimento do seu trabalho, excepto por quem adquiriu directamente a peça, informação que com o tempo se vai perder. Com algumas pequenas excepções, nem as heranças permitem saber por quem foi feita aquela toalha que veio de casa das nossas mães ou tias. Eu própria tenho dificuldade me lembrar-me dos pequenos trabalhos que fiz durante a infância e adolescência.

Illustração Portuguesa 1910
Foi por isso que me entusiasmou uma pequena toalha, com aplicações de várias cores, representando cachos e parras de uvas. Foi-me dada pelo meu amigo António que me disse que teria vindo da casa dos Bordalo Pinheiro. Na verdade foi oferecida por Maria Augusta Bordalo Pinheiro a uma sua aluna de pintura Palmira Lagoa, que foi professora de Desenho e Línguas e mãe do já falecido pintor Lagoa Henriques.

A luva cinzenta. Pintura de Mª Augusta por Columbano. MNAC. Museu do Chiado.

A perfeição da obra faz-me acreditar que teria sido a própria Maria Augusta Prostes Bordalo Pinheiro (1841 - 1915) que a teria feito. Maria Augusta ficou conhecida pela sua actividade dinamizadora no sector das rendas de bilros, mas dizer isso é ser demasiado redutor da actividade de uma mulher tal envolvida no campo das artes. Dissemos já que dava aulas de pintura e sabemos que foi autora de várias pinturas em que destacamos o tecto da sala de jantar do Palácio do Beau Séjour, onde trabalhou em colaboração com os seus irmãos Rafael e Columbano. Mas pintou também cerâmica, tendo deixado algumas obras, presentemente em Museus.

Prato pintado por Mª Augusta BP. Museu Bordalo Pinheiro.

A sua actividade em Peniche, onde criou uma escola que se dedicava exclusivamente ao ensino feminino das rendas de bilros da região, levou à recuperação de modelos antigos e à elaboração de novos desenhos. Apoiando-se nos conhecimentos de uma rendilheira da terra, aprendeu a arte deste tipo de renda de bilros e desenvolveu-a a um nível de maior erudição. Rodeou-se das melhores artífices da terra e após dois anos à frente deste projecto, deixou um caminho aberto e voltou a Lisboa.

Piques. Foto de Ana Montez para o livro Vestir a Mesa

O reconhecimento do seu trabalho levou a que a 1 de Setembro de 1887, fosse nomeada a primeira professora de desenho industrial da escola Rainha D. Maria Pia. Abriu posteriormente em Lisboa, na Rua das Taipas, um atelier, que era visitado pela rainha D. Amélia, que depois mudou para a Rua António Maria Cardoso. Os seus trabalhos foram apresentados em múltiplas exposições nacionais e internacionais tendo sido galardoados com prémios. 

Lenço com renda da autoria de Mª Augusta BP. Museu do Chiado. MNAC.

Cincinato da Costa, autor do Catálogo da Secção Portuguesa, de 1908, na Exposição Nacional do Rio de Janeiro, fez a seguinte afirmação: "As rendas da Sra. D. Maria Augusta Bordalo Pinheiro têm já hoje celebridade no país e no estrangeiro nas Exposições de Paris em 1900, e de S. Luís (Mo.), em 1904, na América do Norte, os seus trabalhos foram justamente reputados como dos melhores no género”[1].

Pormenor da toalha
Mas também os seus trabalhos na área dos bordados eram reputados e a ela se atribui o bordado de um leão num reposteiro para o Restaurante Leão de Ouro, em Lisboa. Nele se reuniam os intelectuais e artistas do «Grupo do Leão» de que fazia parte o seu irmão Columbano que o imortalizou numa pintura a óleo com o mesmo nome.

Sem provas da afirmação escrita em título, fica-me a esperança de que a atribuição seja verosímil. A perfeição e a beleza do bordado esses são inegáveis.

----------------

[1] Pereira, Ana Marques, Vestir a Mesa/Dressing the Table, 2018.

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Museu Virtual: Escalfador

 


Nome do Objecto: Escalfador (réchaud)

 Descrição:

Objecto com três braços móveis e lamparina central, destinada a conter combustível, com três furos de entrada para colocar as torcidas. Os braços de suporte permitem com um pequeno movimento ajustar as bases em concha ao tamanho do objecto que se pretende aquecer.

 Material: Prata e marfim

 Época: Século XVIII (provável)

 Marcas: Não tem

 Origem: Mercado português.

 Grupo a que pertence: Equipamento culinário. Recipiente para o consumo.

 Função Geral: Acessório de serviço. Utilidade.

 Função Específica: Aquecer prato ou outro recipiente com alimento.

 Nº inventário: 3719

 Objectos semelhantes: Não classificados

sábado, 26 de setembro de 2020

A procissão do Corpo de Deus

As primeiras procissões do Corpo de Deus começaram no século XIV e tornaram-se rapidamente em manifestações populares de fé que se mantiveram até aos nossos dias. Regulamentada desde o século XV, nela surgiam dezenas de confrarias religiosas e representantes das corporações dos mesteres que se agrupavam na Casa dos Vinte e Quatro.

Esta comemoração religiosa era um momento de festa partilhada por milhares de pessoas, que nelas participavam, ou que viam passar a procissão nas ruas ou das janelas engalanadas com colchas.

No século XX Diamantino Tojal (1897-1958) responsável, como construtor civil, de importantes obras lisboetas, como o IPO, e a vila Berta, nas Graça, entre outras, decidiu reconstituir o que poderia ter sido a procissão do Corpus Christi.

Tendo começado em 1944 realizou 1587 miniaturas em barro pintado do que imaginava teria sido aquele acontecimento. Com ele colaboraram José Daniel Santa Rita Fernandes, arquitecto, Vasco Pereira da Conceição, escultor e António Soares, pintor.

Presentemente podemos ver a obra completa, extraordinária, exposta na antiga sala do Capítulo do Convento da Graça, um espaço envolvente adequado e agora recuperado.

A associação não podia ser mais perfeita. Mas como os contos de fadas a amostra está preste a acabar. Se quiserem ter o prazer mágico da visão destas figuras, não percam a oportunidade porque acaba já no dia 11 de Outubro.

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Louis-Francois Dronne, o «Carême da charcutaria»

Nascido em Sarthre, na região do Loire, 1825 Louis-François Dronne começou por trabalhar numa loja de charcutaria em Paris, em 1842, la Maison Breton. Esta charcutaria era uma das mais antigas e tinha sido fundada em 1777 por Cailloux. Dronne abriu em seguida uma outra loja mas, em 1857, viria a adquirir a Charcutaria Breton.


A sua actividade e conhecimento levou-o a desenvolver técnicas modernas e processos mais higiénicos para trabalhar as carnes. Foi também responsável pelo desenvolvimento da parte mais tradicional da charcutaria da sua zona natal, com o reconhecimento dos produtos regionais de Sarthois, na França, como as rillettes, o boudin e a salsicha de Mans.

Utilizando novas receitas num ramo que estava muito desactualizado obteve grande êxito comercial e chegou a ganhar vários prémios inclusive na Exposição Universal de Paris de 1867.

Chegou a ser apelidado o “Carême da charcutaria”, designação que não percebi bem no início até ter consultado o seu livro Charcuterie ancienne et moderne. traité historique et pratique renfermant tous les préceptes qui se rattachent à la charcuterie proprement dite et à la charcuterie-cuisine, suivi des lois... et statuts concernant cette profession.

Publicado em Paris, em 1869, mostra-nos que realmente havia muito a dizer sobre o tema ao contrário do que somos inicialmente levados a pensar. Começando com a evolução histórica da charcutaria, onde se incluem as várias associações profissionais ao longo do tempo, são-nos apresentadas as raças animais adequadas aos vários enchidos, os seus tipos, as máquinas para fazer os mesmos, as receitas, etc.

Com ilustrações que aqui se mostram e que integram vários pratos montados, de forma artística, fazem-nos compreender porque lhe chamaram o «Carême da salsicharia».

Mostra-nos bem que a charcutaria não é só «encher salsichas».

----------------

PS: O livro foi consultado na BNF, na Gallica, de onde retirei as imagens. 

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Histórias de regadores e regadores sem história

Nunca pensei vir a escrever sobre regadores. Contudo quando os meus olhos caíram sobre um exemplar puro dos anos 60, de cor laranja e grande flores amarelas, violetas e roxas, a fazer-me lembrar a insígnia da Mary Quant, não resisti. É verdade que sobre ele não posso contar qualquer história porque desconheço a quem pertenceu. Achei-o lindíssimo e extraordinariamente pouco prático e, o pouco uso que deve teve ter tido, atendendo ao seu excelente grau de conservação, confirma-o.

 Quando o vi lembrei-me de uma história da minha vida de estudante. No meu tempo de Faculdade as noitadas eram raras, ao contrário do que hoje acontece. Talvez por isso os episódios também ficassem mais marcados na memória. Numa noite apareceu-me em casa uma amiga, acompanhada de uns amigos. São pessoas conhecidas mas ignoro aqui os nomes, embora não possa deixar de mencionar a presença do pintor Jorge Martins, que deu azo a esta história. Ficámos na sala a conversar longas horas. A sala de esquina de uma casa pombalina, com várias janelas, permitia a entrada de luz vinda de um grande largo onde se situava. A ele se juntava a luz fraca do interior. 

Num ambiente calmo falámos durante horas, mas não me recordo do tema da conversação. Usavam-se então plantas no interior e quando a luz começou a abrir, constatei que as plantas estavam a precisar de água. Fui buscar um regador e reguei as plantas. Lembro-me de o Jorge Martins ter dito que num ambiente daqueles se justificava um regador com maior beleza. Fiquei estupefacta com a sua sensibilidade estética, sobre um tema que nunca me havia ocorrido.

Passado algum tempo fui à loja do Vergílio Seco, que tinha então um antiquário no Príncipe Real e vi o jarro de louça branca com flores que aqui mostro. Lembrei-me da conversa e pensei: é este o adequado. Comprei-o e durante muito tempo usei-o com o fim de regar as plantas da sala.

Um dia promovi-o a jarro de flores e deixou de ser um objecto utilitário.

Hoje, bem mais prática, como nos ensina a idade, uso um regador de plástico, sem estilo ou história. 

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Encontros felizes Nº 3: as varinas de Lisboa

De entre as figuras populares femininas atrai-me à cabeça a da varina de Lisboa, logo seguida pela lavradeira minhota. As primeiras já desapareceram, ao passo que as segundas continuam a ser lembradas numa tradição local, pelo menos durante o período das festas. Em comum têm a beleza da elegância feminina com trajes de saias rodadas que acompanham o movimento do corpo, nas suas actividades. Mais simples, a varina apresentava-se muitas vezes descalça, escondendo na canasta as chinelas que a legislação higienista as obrigava a usar. Perante a visão do polícia regulador, lá saltavam apressadamente as chinelas para os pés habituados ao chão da rua.

Quando em 2015 o meu amigo António Miranda, então director do museu da Cidade de Lisboa organizou uma magnífica exposição sobre as Varinas de Lisboa, emprestei algumas peças simples da minha colecção para estarem presentes. Se fosse agora este azulejo iria fazer-lhes companhia.

O azulejo, feito na Fábrica Viúva Lamego tem como assinatura: Jorge Pinto. Penso tratar-se de Pedro Jorge Pinto (1900-1983), atendendo à provável data de produção e à fábrica, uma vez que o seu pai trabalhou sobretudo com a Fábrica Constança. A sua assinatura era muito semelhante à de seu pai José António Jorge Pinto (1875-1945) que deu luz a imensos trabalhos de azulejaria, com lindíssimos painéis de Arte Nova, muitos dos quais ainda hoje visíveis na cidade como vários painéis em habitações da Avenida Almirante Reis, os azulejos da Leitaria a Camponesa, na Baixa, os da pastelaria a Tentadora, em Campo de Ourique e muitos mais que aqui não refiro.

O seu filho Pedro, que assina este azulejo, foi também o responsável pelos painéis do Mercado do Livramento em Setúbal, com temas relacionados com a Agricultura.

Este simples azulejo, de linhas límpidas, remete-nos para um enquadramento de Lisboa antiga e para uma profissão já desaparecida, que eu recordo ainda da minha meninice.