quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

O gosto pelos citrinos

  

Os sabores agridoces tornaram-se o símbolo da cozinha aristocrática medieval, presentes nas principais obras de culinária da época.

Os molhos eram preparados com um líquido de sabor ácido (vinagre, agraço, vinho, etc.) aos quais se adicionavam elementos aromáticos, “gengibre, canela, cravo-de-cabeça, pimentão, macis, açafrão, noz-moscada, plantas aromáticas, e açúcar ou mel, considerados na época como especiarias”.

Frontispício do livro Hesperides, 1780
A partir do século XIV o limão, surgindo timidamente, tornou-se num alimento requintado. Estava já presente no 1º tratado de culinária francesa, Le Viandier, de Guillaume Tirel, conhecido como Taillevent (1310-1395).
Le Viandier. Taillevent

Os Medici tiveram uma verdadeira paixão pelos limões que começou no início do século XV com Cosimo de Medici que plantou citrinos em grandes vasos e continuou com Francesco I de Medici (1541 – 1587). Na sua Villa, perto de Florença, criou uma limonaia, isto é, uma estufa com citrinos.

Bartolomeo Bimbi. Citrinos dos Medici.
O seu descendente Grande Duque Cosimo III (1642 – 1725), ampliou a colecção, tendo chegado a cultivar 116 variedades de critrus no seu jardim. Esta diversidade foi documentada por Bartolomeo Bimbi que as pintou.

Hesperides. 1708. Laranja de Portugal
Este culto pelos citrinos, em especial o limão e as suas variants, mostrou-se nos séculos seguintes com uma culinária em que se mantinha o recurso aos ingredientes ácidos, embora numa proporção menor. São então mais variados do que na Idade Média, visto que o sumo de laranja amarga, e mais ainda o sumo de limão, se vieram juntar ao vinho branco, ao vinagre e ao agraço, na confecção dos molhos.

Jean Davidsz  de Heem, séc. XVII
Sendo um produto de luxo e o seu aparecimento nos países frios do norte da Europa, foi um triunfo da ciência e da botânica. Em consequência multiplicaram-se as pinturas de naturezas mortas em que o limão marcava presença no século XVII, sobretudo nos países baixos. É que a presença de limão à mesa era sinal de abastança.


Hesperides, 1708. Limão de Portugal
Mas se a beleza das múltiplas pinturas é mais conhecida, que dizer dos primeiros livros sobre citrinos. Refiro-me à obra do botânico Johann Christoph Volkamer (1644-1720), publicada em 1708 e com o título impressionantemente extenso As Hespérides de Nuremberg, ou: uma descrição detalhada dos frutos nobres da cidra, do limão e da laranja amarga; como estes podem ser correctamente plantados, cuidados e propagados naquela e nas regiões vizinhas. Nele podemos encontrar imagens de o Limão e da Laranja de Portugal.

Frontispício do livro de Ferrari, 1646

 A sua estética com laços coloridos onde se podiam ler os nomes dos locais de origem dos citrinos foi influenciada por um livro anterior de Giovanni Baptista Ferrari publicado em 1646 e igualmente chamado Hesperides sive de Malorum Aureorum Cultura et Usu Libri Quatuor. Falando sobre citrinos defendeu o uso de orangeries, para protecção dos frutos nas zonas frias, tal como nas zonas mais quentes. 

Estufa. Livro de Ferrari, 1646.

Na  realidade estas estufas serviam de abrigo às várias árvores citricas que, colocadas em grandes vasos, entravam e saíam de acordo com as estações, como ainda hoje acontece nalguns palácios históricos.

Aqui ficam as belas imagens e voltarei ao tema para explicar porque o escolhi.

 

 

 

 

quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Calembur ou o “sempre a aprender”

Descobri um artigo engraçado num Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro de 1866. Intitulado “Calambur “descreve uma loja da época, existente na Rua Nova do Carmo, de que não chegamos a saber o nome e que, pelos vistos, vendia candeeiros e lustres.

É interessante porque ainda ontem me tinha cruzado com uma outra palavra de origem francesa, muito usada no século XIX, a tournure, que desapareceu tal com a própria peça.

Um calembur ou calemburgo é um jogo de palavras, um trocadilho que, sendo diferentes na significação, são semelhantes no som, dando lugar a equívocos. Teve origem em França, sendo a palavra calembour usada, segundo alguns, desde a época de Luís XV.

Durante o século XIX e ainda durante o início do século XX este tipo de trocadilhos esteve muito em voga, tanto em Portugal como no Brasil.  Um artigo publicado na brasileira Revista da Semana, de Janeiro de 1929, intitulado “Os Calemburgos” identificava vários especialistas no tema, fazia uma pequena história do uso da palavra e dava vários exemplos deste tipo de trocadilhos.

Aqui chegados, vejamos com atenção o texto e a imagem e deve dizer que, pela primeira vez, me concilio com o humor oitocentista, de que não sou grande fã.