sábado, 27 de dezembro de 2025

Lampreias há muitas!


Refiro-me às lampreias de ovos que comemos pelo Natal, numa tradição relativamente recente, possivelmente apenas presente nas grandes cidades. Em Lisboa é um hábito que tem mais de um século. A Pastelaria Suíça, que sempre fez bons doces de ovos (que saudades das trouxas de ovos), vendia-as também por esta época.

Já no século XIX era um presente requintado, tal como hoje. Uma mesa de doces fica enriquecida com esta decorativa iguaria e há quem a não dispense, a par dos chamados doces tradicionais.

Acontece que desde que escrevi o livro Rafael de Faca e Garfo nunca mais consegui olhar para uma lampreia doce sem me lembrar da história contada por Rafael Bordalo Pinheiro. Publicada em O Antonio Maria, em 30 de Dezembro de 1880, [1] em jeito de banda desenhada, Rafael conta-nos uma história de Natal extraordinária, intitulada “A viagem de uma lampreia no país do compadrio. Scenas do Natal.” 

Esta lampreia é na realidade uma lampreia de ovos comprada ao Cócó, isto é, na Confeitaria da rua de S. Nicolau, que pertenceu à família Rosa Araújo. [2]  

A dita lampreia era descrita como sendo feita de ovos de fio, dentes de cidrão, olhos de ginja e rabo de compota de pêra. Esta iguaria começou por ser oferecida pelo Comendador Possidónio ao professor de Belas Artes de seu filho, que por sua vez a foi oferecer a outro e, assim sucessivamente, passando pelas mãos de cerca de uma dúzia de pessoas, que se pretendiam influenciar. Pelo caminho, foi perdendo alguns atributos, gulosamente saboreados, como um olho de ginja, depois o outro, a pêra, etc., mas, em compensação, passou a ser embrulhada num guardanapo, num lenço de seda e finalmente embelezada com fitas, para acabar por fim como uma decoração de chapéu, feito pela chapeleira D. Cecília.

 É com ele que uma dama da sociedade vai à missa ao Loreto, passeia pelo Chiado, e vai à noite ao Teatro D. Maria. No dia seguinte, a lampreia de ovos ainda foi vista no Passeio Público, mas ao chegar a casa a dama, que se fazia acompanhar por um jovem audaz, constata a ausência da mesma. O pretenso apaixonado havia comido finalmente a lampreia do Cócó! Num remate atrevido, envia um bilhete para casa da chapeleira, dizendo: “Gostei do chapéu. Aconselharia, que não carregassem tanto no cidrão”.[3]

Foi ao comer um dos olhos da lampreia deste Natal, uma meia cereja cristalizada, que o meu imaginário me levou para as memórias Bordalianas. Nunca mais vou conseguir olhar para uma lampreia doce sem me lembrar desta extensa e rocambolesca história.

Aqui ficam algumas imagens, mas não posso deixar de recordar uma afirmação do Vasco Santana, no filme Canção de Lisboa no papel de Vasquinho da Anatomia, onde dizia:  “Chapéus há muitos…!”.  Neste caso “Lampreias há muitas!”

  


[1] O Antonio Maria. nº 83. 30 Dezembro. 1880.

[2] O filho José Gregório da Rosa Araújo (1840-1893) foi vereador da Câmara Municipal e, mais tarde, seu Presidente. Exerceu as funções de Deputado e Par do Reino, para além de outras. Contudo, a acção que mais o notabilizou foi a abertura da Avenida da Liberdade.

[3] Pereira, Ana Marques, Rafael de Faca e Garfo. Lisboa. Museu Bordalo Pinheiro: 28-32.


sábado, 20 de dezembro de 2025

Feliz Natal de 2025

 

Com tantos Pais Natais por aí, é bom lembrar que também existem Mães Natais.

Votos de Festas Felizes, em ambiente calmo e com muitos e bons docinhos.


segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

O avental de cerimónia

 

Há coisas e factos que tomamos por adquiridos e nem pensamos nelas. O avental é uma delas. Indispensável em todas as actividades que implicam o risco de sujar a roupa, foi cada vez mais caindo em desuso. Até dos programas de culinária, em que antigamente se podiam ver modelos variados e originais, desapareceu. Vemo-lo em ilustrações medievais presentes em actividades mais sujas ou arriscadas, como os ferreiros ou os talhantes por exemplo, que usavam os mesmos feitos em couro.

Mas nas cozinhas esteve sempre presente. Inicialmente apenas preso na cintura, passou depois a ter uma parte superior, segura por alfinetes, e mais tarde com alças. Mas os aventais de serviço, usados pelas criadas de quarto, podiam apenas apresentara a parte inferior.

Bluteau, no seu Dicionário (1712-1723), usava a palavra antiga “avantal”.  Moraes ainda usou a mesma designação para o “pano de lançaria que as mulheres e alguns mecânicos atam pela cintura e deixam cair para não sujarem a roupa”. Mas acrescentava: “Geralmente dizemos avental”. José Pedro Machado, em meados do século XX, no seu Dicionário Etimológico dizia que ainda se usava a expressão avantal no Douro, Minho e Trás os Montes. Carolina Michaelis referia que, à letra, “era a coisa que se punha por diante”.

A Moda Illustrada. Jornal das famílias

No século XIX os aventais aperfeiçoaram-se e tornaram-se mais cuidados. Os aventais nas classes sociais mais elevadas eram bordados, com cintura marcada  e ajustados ao corpo com laços ou botões nas costas, acompanhando a silhueta em ampulheta da moda vitoriana.

Para além dos aventais de serviço passaram também a usar-se os de maior cerimónia, com rendas e bordados. É verdade que, já antes, nalguns países as senhoras usavam aventais mais cuidados, chegando a ser pintadas com eles colocados. Mas eram apenas aventais atados à cintura.  

Estes a que me refiro apresentam peitilho e são destinados a jovens de família que ajudavam a servir o chá. Ainda me lembro de quando vim para Lisboa, para a Faculdade, de uma senhora minha amiga, que sempre considerei da família, de idade avançada, me pedir para eu ajudar a servir o chá às suas amigas idosas. Era ainda muito adequado usar jovens da família e evitar a presença das criadas na sala durante esse período íntimo. E ao rever esta situação lembrei-me de uma outra em que a mãe de um amigo meu, igualmente em Lisboa nos anos 70, ofereceu um lanche a vários padres e figuras religiosas. O lanche foi servido pela filha, por mim e outras amigas da filha. De resto os livros de etiqueta do século XIX também aconselhavam que o café, após as refeições, era servido noutra sala. As bandejas eram trazidas pelas criadas e eram as jovens da família quem servia o café. Não encontrei qualquer menção a aventais para este fim, pelo que presumo que seriam mais usados na hora do lanche, que implicava um serviço mais demorado e complexo.

Aqui ficam então estes dois belos modelos de “avental para chá ou lunch”, a fazer-nos pensar em tempos passados.

 

 

terça-feira, 18 de novembro de 2025

Lembrete. Lançamento no dia 22 de Novembro



Só para lembrar que faltam poucos dias para o  lançamento do meu livro com a Sandra Fernandes Morais. Será no próximo sábado, às 15 horas,  em Campo de Ourique, na actual Biblioteca no antigo Cinema Europa.

 O livro está lindíssimo, sóbrio e surpreendente. Sobre o conteúdo não posso avaliar, porque sou suspeitíssima.

Aqui fica a capa, brilhante, com letras em relevo. O livro não estará à venda nas livrarias habituais (excepto  online na Wook e na  Vida Portugueza) pelo que deverão ser contactadas as autoras e editoras.

Ficamos a aguardar o vosso apoio. Lá os esperamos.


terça-feira, 11 de novembro de 2025

Feliz dia de São Martinho

 

No dia de São Martinho pede a tradição comer castanhas e beber vinho. Tal como diz o ditado "No dia de São Martinho vai à adega e prova o vinho".

Hoje em dia o vinho foi substituído por jeropiga ou por água-pé, com vantagens. A lembrar este dia mostro-lhes uma gravura da autoria de José Malhoa que chegou cá a casa há poucos dias. O original encontra-se nas Caldas da Rainha, no Museu José Malhoa e data de 1907.

Este é apenas um lembrete, porque o outro nome do quadro para além de "Festejando o São Martinho" é "Os bêbados"