É domingo de manhã. Acordo cedo. São ainda 8 horas mas tenho muito que fazer e decido levantar-me. Enquanto ainda estou estremunhada aproveito para ir acordando lentamente e abro a televisão. A minha atenção recai numa reportagem sobre os vulcões do Equador. Fico a ver o périplo do jornalista pelos vários vulcões e a vida das pessoas que vivem nas faldas destas montanhas.
Humbolt com o Chimborazo ao fundo |
De repente surge um camponês que vive num aldeia perto do vulcão Chimborazo. Enquanto a maior parte dos camponeses se dedica à agricultura, este homem descende de uma família que desde há muito se dedica à recolha e venda de gelo das encostas do vulcão.
É Baltazar Hushca, tem 64 anos e desde os 15 anos que se dedica a esta actividade. Percebo depois, enquanto procuro alguma informação na internet que este é o último neveiro. O resistente de uma profissão em desaparecimento, tornada inútil pela industrialização. Mas no mercado de Riobamba aonde vai vender o seu gelo para ser usado em batidos de fruta, as pessoas não pensam assim.
Este gelo é um fóssil com milhares de anos conservado debaixo da lava do vulcão e portanto de grande pureza. Após horas de caminhada pela montanha, o neveiro, acompanhado pelos seus dois burros, descobre o gelo sob a camada de lava seca, corta grandes pedaços que depois apara com uma picareta, limpa a terra da mesma forma, e dá-lhes um forma rectangular, que facilita o transporte e a venda. Antes preveniu-se cortando arbustos secos, a palha, com que fez à mão as cortas e com que vai envolver os cubos de gelo.
De regresso a casa, no vale, mete numa cova os blocos, tapa-os e no dia seguinte parte para o mercado de Riobamba, onde no meio do colorido dos produtos, recebe o fruto do seu trabalho e tem o prazer de beber um xarope de sumo de fruta (“raspagem”), refrescado pelo seu gelo.
Fiquei fascinada. Ainda hoje se faz o que se fazia há vários séculos atrás. Corri a buscar a máquina fotográfica para fotografar o processo mas o programa já ia adiantado. Sabia que em Portugal desde o século XVII, sobretudo por efeito das exigências da corte dos Filipes em Portugal tinha havido um comércio importante de gelo.
Escrevi sobre isso na “Mesa Real”. Sabia que o gelo era cortado nas neveiras da Serra da Estrela, embrulhado em palha e transportado em burros até chegar aos barcos que desciam o rio Tejo e o traziam até Lisboa. Mas ali estava a prática, a forma como se fazia há vários séculos atrás e que se manteve até hoje inalterada. Um fascínio neste mundo tecnológico.
PS:
Já depois de ver o programa descobri que Batazar Huscha se transformou numa figura nacional, objecto de várias reportagens e de videos no youtube, de que aqui fica um para melhor compreeensão.
PS:
Já depois de ver o programa descobri que Batazar Huscha se transformou numa figura nacional, objecto de várias reportagens e de videos no youtube, de que aqui fica um para melhor compreeensão.
4 comentários:
Ainda existem vestigios dos neveiros da Serra do Montejunto, bem perto de Lisboa.
Carlos Caria,
Penso que havia um projecto para recuperação dos poços de gelo de Montejunto, mas não sei se avançou.
Extraordinário.
Sofia,
E pensamos nós que vivemos num Mundo muito avançado tecnologicamente.
Bj
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