segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Amor de urso

Na entrevista que há pouco tempo dei à Alexandra Prado Coelho para o Público, falava-lhe na premência de guardar objectos de uso quotidiano, em plástico, antes que acabassem na reciclagem.

A propósito lembrei-me de um borrifador em plástico com o feitio de um urso. Desde que surgiram os ferros a vapor os borrifadores deixaram de ser necessários e lentamente foram desaparecendo. Alguns eram apenas objectos práticos em plástico colorido, com furos na parte superior. Invertiam-se e apertavam-se permitindo a saída de água de forma fina para humedecer a roupa, algum tempo antes de ser passada a ferro. A maioria tinha a forma de uma garrafa, apresentando na frente a palavra “borrifador”, para não haver dúvidas.

Mas outros tinham formas variadas, como animais, de que este urso é um exemplo. Os orifícios encontram-se tapados com uma tampa de plástico mais duro em forma de chapéu turco otomano (tarbush).

O que me leva a falar nele aqui é a presença de uma capinha feita em crochet de lã, que lhe cobre os ombros. Com este enfeite o objecto em causa deixa de ser um borrifador vulgar para passar a ser um brinquedo (talvez) ou um boneco. O facto de a anterior proprietária ter perdido tempo a tricotar esta capa torna-o único e estimado. Demonstra uma ligação afectiva ao dito urso.

Não sei quando começou a ligação afectiva entre ursos e crianças. Os primeiros Teddy Bear surgiram no início do século XX e a sua imagem divulgou-se em bonecos felpudos e histórias em livros e filmes. Durante o século XX todas as crianças tinham um urso, mais ou menos fiel aos iniciais, de diferentes dimensões e materiais.

A afectividade criada pelas crianças a estes bonecos tornava-os companheiros indispensáveis no dia-a-dia, e a maioria viria a morrer de morte natural ao fim de pouco tempo. Outras crianças, como eu, estimavam tanto os seus ursinhos que lhes permitia longa vida.

Saído de uma redoma, onde o meti há algum tempo para o preservar, apresento hoje ao digníssimo público o meu ursinho de estimação. Tem um olhar triste, o pêlo a cair e o feltro das patas já sofreu restauro. Apesar de tudo isto é o mais bonito do mundo, aos meus olhos, como seria o urso de plástico para a pessoa que lhe confeccionou uma capinha para o alindar.

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