terça-feira, 26 de março de 2019

Os bolos com azeite da Beira Baixa

Biscoitos de azeite

Na minha última ida à Covilhã, onde fui apresentar o livro «Vestir a Mesa», curiosamente tive dois presentes de bolos de azeite. Embora na Beira Baixa existam outros, como o Bolo de Azeite e Mel, são estes dois os mais apreciados: a Bica de Azeite e os Biscoitos de Azeite. 
Bica de azeite
Qualquer um deles me traz recordações de infância. O bolo de azeite ou bica de azeite que a minha avó fazia e mandava cozer no forno do padeiro era, tal como os esquecidos e as cavacas que iam de casa para a padaria em tabuleiros, os bolos secos mais saborosos de que me lembro. 
No meu livro «Do comer e do falar….», um dicionário de termos gastronómicos, pode encontrar-se a seguinte definição:

BICA – Tipo de pão de trigo comprido e achatado, que os padrinhos davam aos afilhados; esta era uma tradição em alguns locais da Beira-Baixa, em que a bica, com o feitio de uma grande bolacha, decorada com furos feitos com um garfo, ou em ferradura (em S. Miguel de Acha, p. ex.), era feita com massa de pão e azeite e polvilhada com açúcar e canela, sendo oferecida pelos padrinhos aos afilhados pelos Santos. Também chamada Bica de azeite, Bolo de azeite ou Bica dos afilhados; nalguns locais a bica é cozida no forno embrulhada numa folha de couve; pode ser simples ou levar sardinha chamando-se então bica de sardinha ● Refeição entre o almoço e o jantar. Merenda ● Nome dado em Lisboa e em outras localidades ao café servido em pequena chávena tirado directamente da máquina ● Peixe (Pagellus erythrinus) do litoral com corpo rosa-prateado com uma banda vermelho-vivo no dorso.
BICA DE AZEITE – Ver Bica. 

Voltando aos nossos bolos devo dizer que fiquei decepcionada com a Bica de Azeite, de Salgueiro do Campo, uma freguesia de Castelo Branco. Parece provável que a bica inicial fosse apenas a massa de pão a que se juntava algum azeite e um pouco de açúcar. Numa época em que o consumo de doces era raro este pão transformado em bolo já dava para fazer a festa.
Dois biscoitos de azeite de diferentes dimensões e proveniências
Lembro-me porém que em casa da minha avó estes bolos achatados e picados com um garfo, sempre eram cobertos com açúcar e canela, antes de irem ao forno. A massa pouco açúcar teria (ou nenhum?) mas com este sistema ficavam deliciosos. A memória desse sabor perdura nas minhas papilas gustativas e, talvez por isso, este bolo, igualmente com pouco azeite me decepcionou. 

Quanto aos biscoitos de azeite, se bem que os mais conhecidos sejam os do Fundão fazem-se em toda a Beira Baixa e estes concretamente foram feitos na Covilhã. De massa quebradiça, levam além do azeite, aguardente. Ligeiramente compridos são, antes de irem ao forno cortados com uma tesoura (geralmente dois cortes). Estes eram muito bons, daqueles que se comem sem vontade.
De qualquer modo, para além do gosto, serviram para me transportar à infância.

quinta-feira, 21 de março de 2019

Mensagens de amor

Não há uma única palavra amorosa no texto destes postais. No entanto, no espírito de Abel, que no dia 22 de Maio de 1904 foi passear para os arredores de Lisboa, está constantemente a lembrança da sua amada, Mademoiselle Zinia Andrade que se encontrava em Vila do Conde.
Nesse dia escreve-lhe quatro postais. No primeiro relata que são 9 horas da manhã, que havia tomado um almoço ligeiro, e que ia partir acompanhado (as frases estão no plural) para Mafra onde lanchariam (lunchariam, no texto). Informa que tencionam jantar em Sintra e que viriam dormir a Lisboa.
No segundo postal relata: «São três horas. Escrevo-te da Biblioteca de mafra voltado para D. João V. Estamos bem.».
O terceiro postal é já escrito da Ericeira, às quatro horas, e a informação é sucinta: apenas local e hora. 
Por fim no quarto postal, que tem atrás o carimbo do «Hotel Nunes. Cintra», o autor das mensagens relata: «São 6 horas. Estamos em Cintra no Hotel Nunes. Vamos jantar. Fizemos bela digressão desde a praia da Ericeira. Depois de jantar vamos para Lisboa».
Os postais foram entregues nas próprias localidades e apresentam os carimbos de Mafra e da Ericeira e dois deles são elegíveis, mas é de crer que o último terá sido enviado de Sintra. A apaixonada recebeu as mensagens em Vila do Conde nos dias 24 e 25 de Maio, certamente com imenso prazer porque percebeu o que não estava dito: a sua presença constante mesmo estando ausente.
Os postais são de extrema beleza, em estética Art Nouveau, em cores violeta e cinzenta, pontilhados por dourados, presentes também nos filetes circundantes, dificilmente visíveis nestas imagens. Para além do que sugerem esclarecem-nos também sobre o horário e designação das refeições no início do século XX. Percebe-se que antes das nove horas já haviam tomado o almoço, designação então dada ao pequeno-almoço. Em Mafra teve lugar o almoço então designado lunch, que às três horas já havia terminado uma vez que foi a essa que teve lugar a visita à Biblioteca. Por fim o jantar teve lugar em Sintra no Hotel Nunes[1] às 6 horas da tarde, a que se seguiu o regresso a Lisboa.
Hotel Nunes
Ao constatar esta sequência de informações não pude deixar de me lembrar dos novos meios de comunicação (telefones portáteis, mensagens escritas, etc.) e das redes sociais que, estou certa, Abel ia adorar.
Muitas informações tiradas apenas de postais. É o que dá estar a organizar os postais que se foram acumulando. Já cá estão há muito tempo mas descobri-os agora e devo dizer que depois destes me apetece falar noutros. Espero que gostem destas descobertas simples.


[1] O Hotel Nunes, um dos mais conhecidos da então vila de Sintra, na segunda metade do século XIX, situava-se junto ao Palácio da Vila e foi destruído para dar lugar ao incaracterístico Hotel Tivoli Sintra.

quarta-feira, 13 de março de 2019

Uma visita às Minas de S. Domingos

 A exploração de minerais como o ouro, a prata e cobre teve lugar na região de S. Domingos desde o período romano. No entanto, o grande desenvolvimento mineiro teria lugar durante o século XIX com a descoberta e registo do local por Nicolau Biava que em 16 de Junho de 1854 requereu à Câmara Municipal de Mértola o direito de explorar as minas de São Domingos. Com esse fim foi registada em 1855 uma empresa mineira espanhola La Sabina.
A moderna exploração da mina viria a dar-se em 1858 já por acção da companhia inglesa de mineração "Mason & Barry", mais tarde designada Mason & Barry Limited. Seria esta empresa que viria a fazer grandes progressos locais, como a construção de um ramal de comboio que conduzia o material extraído das minas até ao Rio Guadiana.
Do desenvolvimento local e da sua envolvente existem vários trabalhos de que ressalto os apresentados no site «The Restoration & Archiving Trust. Mina de São Domingos: Mason & Barry», entre outros.
A actividade da mina seria suspensa em meados da década de 1960 e hoje no local só se podem observar as ruínas. No início do século XX contudo as minas eram um local modelar a justificar visitas. Foi por isso que em 1913 foi organizada pelo Liceu Camões, de Lisboa, uma vista de estudo, no sentido de os alunos do 7º ano tomarem contacto com essa realidade industrial.
Oficinas ferroviárias. Foto de Rosário Silva publicada em RR.sapo.pt
Dessa visita foram feitas várias fotografias, aqui transformadas em postais, oferecidas pelos alunos como recordação do dia. Os três momentos que chegaram às minhas mãos fixaram a travessia do rio (provavelmente o Guadiana), as várias charretes que na margem aguardavam os visitantes e por último, como bons portugueses, o momento do almoço com os professores. Seguramente um dia bem passado para todos os intervenientes. Para quem conhece hoje o local abandonado revela-se uma visão nostálgica.

quinta-feira, 7 de março de 2019

Livro Vestir a Mesa. Lançamento na Covilhã

Este convite é para para quem se encontrar na Covilhã e tiver vontade de ir assistir.  Espero rever velhas amizades.
Divulguem entre os vossos amigos.
Marcamos encontro para dia 22 de Março às 16 horas, no belo edifício do Museu dos Lanifícios.

domingo, 3 de março de 2019

Carnaval Desmascarado


 Apesar de a morte o ter levado muito cedo a sua obra como caricaturista foi enorme. De nome completo Celso Hermínio de Freitas Carneiro, nasceu em Lisboa em 1871 e faleceu em 1904.
Começou a desenhar muito cedo, mas profissionalmente foi em 1892 no «O Universal», depois de desistir da carreira militar.
Colaborou em Suplemento Ilustrado de O Universal, O António Maria, Branco e Negro, Diário de Notícias, A Paródia, BrasilPortugal, O Dia, A Comédia Portuguesa, A Folha, Diário da Tarde, O Papão, Jornal das Senhoras, O Arauto, O Comércio do Porto Ilustrado, Ilustração Portuguesa, Passatempo, etc. Seria editor/director de O Micróbio, O Berro e A Carantonha, no período mais acérrimo da censura em final de oitocentos.
No Brasil, onde viveu de 1897 a 1899, trabalhou no Jornal do Brasil, O Diabo, etc.
O álbum «Carnaval Desmascarado», de que se apresentam algumas folhas, foi uma das suas últimas obras, publicado em 1903, mas além deste ilustrou também vários livros, desenhou postais ilustrados e fez pintura.
Foi autor de uma página do Albúm-Homenagem a Rafael Bordalo Pinheiro, saído em 1903 e cujo traço e sentido crítico eram muito semelhantes.
No dia 20 de Março de 1904 era publicado o obituário de Celso Hermínio, no jornal Occidente. Uma morte rápida, que apanhou as pessoas de surpresa, incluindo o jornalista que comovido dava a triste notícia, lamentando o desaparecimento deste caricaturista político de figuras e factos da Primeira República. 
Uma obra extensa de que apenas se menciona parte, e que nos surpreende numa pessoa que morreu apenas com 33 anos.